História

ESCOLHEDORAS E CRIVADEIRAS – HISTÓRIA DE CASTELO DE PAIVA

Nas crivas das minas de Germunde – Pedorido, ao longo de décadas foram muitas as mulheres que, trabalhando duramente entre homens erigiram um admirável e impressionante marco histórico de bravura feminina.

Essas mulheres eram maioritariamente oriundas da Raiva e de Pedorido, mas também vinham de fora de Castelo de Paiva, nomeadamente da Lomba, Moreira, Rio Mau.

De pé, postadas em frente a um tapete rolante escolhiam a antracite, separando-a das pedras. Mas também faziam outros trabalhos, de grande exigência física: ajoelhadas sobre o chão de cimento, com máscara de pano e óculos de proteção na cara, partiam com um martelo a antracite que depois carregavam à cabeça em gigos de 50 quilos para encherem os barcos rabões fundeados na margem do rio Douro; também carregavam vagonetas e camionetas à pá ou ao gigo; limpavam os depósitos do carvão; empurravam as cestas do teleférico quando este foi implementado para transportar o carvão para a central termoelétrica da tapada do Outeiro.

Muitas iniciavam-se nestas lides logo nos princípios da adolescência. Foi o caso de algumas das mulheres com as quais tivemos o privilégio de conversar nos primeiros dias deste mês de março.

Emília Alves Moreira, de Pedorido, tinha 15 anos de idade quando entrou para as crivas de Germunde, em setembro de 1949.

Trabalhando amiúde descalça, de segunda-feira a sábado, entre as 08H00 e as 17H00, começou por ganhar 7 escudos por dia, depois 10 escudos por dia. Quando saiu da Empresa Carbonífera do Douro auferia uma remuneração mensal de 300 escudos.

Mas, nesses tempos árduos, muitas vezes o seu dia começava de madrugada… Era às 04H00 que se erguia da cama, aconchegava o estômago com um caldo de cebola feito pela avó e abalava, com outras, para o areio das Concas – Pedorido. Aí, até às 07H30, a 2 tostões o gigo, carregava com areia os vagões da Empresa Carbonífera do Douro estacionados no chamado “desvio das máquinas” (local onde se situa, hoje, o restaurante “Ramadinha”).

Aos 25 anos de idade, no último dia da sua gravidez, depois de mais um dia de trabalho teve a sua filha em casa, sem ajuda de enfermeira ou parteira.

Deolinda Macedo Duarte, de Pedorido, hoje confinada ao leito e não obstante a sua memória difusa, falou-nos dos carregos de 50 quilos que transportava para os rabões da “esquadra negra”.

Albina Macedo de Oliveira, de Pedorido, começou a trabalhar nas crivas de Germunde com 15 ou 16 anos. A sua jornada decorria entre as 08H00 e as 17H00, de segunda-feira a sábado. Evocou a dureza do trabalho, nomeadamente o transporte da antracite, em gigos de 50 quilos, das crivas para os rabões.

Maria Cacilda Pereira Barbosa, de Pedorido, contava 17 anos quando, em 01-10-1963, começou a trabalhar como escolhedora.

Embora o final do trabalho fosse às 17H00, se houvesse necessidade a jornada prolongava-se até às 18H00, 19H00, 20H00 ou 21H00. Findavam o dia com o rosto coberto de pó ou por uma película húmida, consoante o carvão estivesse seco ou molhado. Só tinha 6 dias de férias por ano. O seu primeiro salário foi de 400 escudos.

Sentia algum receio quando descia aos depósitos do carvão, pois essa descida era feita por uma escadaria composta por estreitas varas de ferro que não ofereciam um apoio muito seguro para os pés

Contou-nos que a Empresa Carbonífera do Douro a dada altura determinou a obrigatoriedade das escolhedoras e crivadeiras usarem calças (jardineiras) no trabalho, não por ser mais prático ou seguro, mas porque subiam e desciam escadas e trabalhavam em patamares abaixo dos quais havia homens que dirigiam constantemente o olhar para cima…

Esta medida, num tempo em que não era comum o uso de calças pelas mulheres causou-lhes descontentamento. Porém, as chefias mostravam-se inflexíveis e suspendiam, por um dia ou meio dia, as trabalhadoras que não cumprissem essa obrigação.

Depois de 8 anos nas crivas passou a desempenhar funções de limpeza no chamado escritório da mina, onde iniciava o serviço às 07H00.

Foram muitas as mulheres escolhedoras e crivadeiras que labutaram anos a fio, em condições de extrema dureza, nas minas de Germunde. Todavia, essa longa epopeia laboral feminina continua encoberta pelo pó de uma negra indiferença.

À entrada do complexo mineiro de Germunde existe um merecido monumento de homenagem aos mineiros. Mas nessa iconografia não figura nenhum elemento feminino representativo do exemplo de superação e estoicismo dessas grandes mulheres.

Quando passaremos essa memória histórica pelo crivo da nossa consciência e nos tornaremos escolhedores do sentido de justiça, de homenagem e de gratidão?

MOVIMENTO CIDADÃOS PELO MUNDO

 

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